Sumário
2. A Relação entre a Retórica e a Homilética. 8
3. O Sermão e a Pregação: uma perspectiva reformada. 15
Introdução
“Deus só é corretamente servido quando sua lei for obedecida. Não se deixa a cada um a liberdade de codificar um sistema de religião ao sabor de sua própria inclinação, senão que o padrão de piedade deve ser tomado da Palavra de Deus.” – João Calvino, O Livro dos Salmos,Vol. 1,(Sl 1.2), p. 53.
“O pregador é o que interpreta e ensina as verdades divinas”. – Agostinho, A Doutrina Cristã, IV.4.6. p. 217.
Em termos de aprendizado, o púlpito é o ponto principal de contato entre a instituição de ensino e a Igreja. No entanto, precisamos estar atentos para não confundir a sala de aula com o púlpito. A exegese visa nos habilitar dentro dos recursos metodológicos, a compreender o texto a fim de podermos transmiti-lo de forma fidedigna.
As Escrituras Sagradas, afirmam que cada Cristão deve ser um pregador, pois o anúncio do Evangelho é missão de todos quantos se comprometem com Jesus Cristo (Mt 28:18-20; Mc 16:15). Por outro lado, nos deparamos com os dons espirituais (Rm 12:6-8; 1Co 12:4-7; Ef. 4:11-13), nos quais podemos destacar o de profetizar (1 Co 14:3) ligado diretamente ao Ministério da Palavra. A palavra Profetizar no Novo Testamento significa “anunciar a Palavra”.
A pregação é um milagre duplo. O primeiro milagre é Deus usar um homem imperfeito, pecador e cheio de defeitos para transmitir Sua perfeita e infalível Palavra. Trata-se de um Ser perfeito usando um ser imperfeito como seu porta-voz. Só um milagre pode tornar isso possível. O segundo milagre é Deus fazer com que os ouvintes aceitem o porta-voz imperfeito, escutem a mensagem por intermédio do pecador e, finalmente, sejam transformados por essa mensagem. Esse é o grande milagre da pregação.
As técnicas são indispensáveis para uma boa pregação. Embora todas as técnicas ajudem o pregador, porém, não fazem dele um pregador. Par ser um bom pregador é preciso ter a técnica e algo mais. Esse algo mais é o milagre do Espírito Santo. O pregador deve orar, meditar e se colocar inteiramente nas mãos de Deus, para então, depois disto, pregar.
A leitura é uma parte importante do sermão. Ela deve ser bem feita, observando as pontuações estabelecidas, com suas pausas e mudança de personagem. O pregador precisa manter o contato com o público através do olhar, se fazendo próximo dos ouvintes.
A palavra “Retórica”, é uma transliteração do grego “eloqüência”. A palavra é proveniente para “orador público”, “advogado”, “homem de Estado”. Ocorre apenas em At 24.1, no NT. Estas palavras são derivadas de “expressão verbal”,
A Igreja Latina traduziu “Homilia” (Homilética) por sermão, passando, então, as duas palavras, num primeiro momento, a serem empregadas de forma intercambiável. Todavia, posteriormente, elas passaram a designar um tipo de discurso; O Sermão, designava um discurso desenvolvido sobre um tema; A Homilia, pressupunha um método de análise, e a explicação de um parágrafo ou verso da Escritura, que era lido durante os cultos.[1] O uso do termo “Homilética” referindo-se à pregação, data do século XVII, quando foi usado por Baier (1677) e Krumholf (1699).
Górgias (c. 483-c.375 aC), o sofista, disse que o objetivo da retórica é “pela palavra, convencer os juízes no tribunal, os senadores no conselho, os Eclesiastes na assembléia e em todo outro ajuntamento onde se congreguem cidadãos.” Desta forma, a capacidade do retórico era demonstrada na habilidade de “disputar com qualquer pessoa sobre qualquer assunto” e isto se revelava na rapidez com que persuadia as multidões. A essência da retórica de Górgias era persuadir; e nisto a retórica sofista foi muito bem sucedida.
Lembremo-nos que a Retórica Sofística, inventada por Górgias (c.483-c.375 aC), era famosa. Górgias dizia: “A palavra é uma grande dominadora que, com pequeníssimo e sumamente invisível corpo, realiza obras diviníssimas, pois pode fazer cessar o medo e tirar as dores, infundir a alegria e inspirar a piedade (…). O discurso, persuadindo a alma, obriga-a, convencida, a ter fé nas palavras e a consentir nos fatos (…). A persuasão, unida à palavra, impressiona a alma como quer (…). O poder do discurso com respeito à disposição da alma é idêntico ao dos remédios em relação à natureza do corpo. Com efeito, assim como os diferentes remédios expelem do corpo de cada um diferentes humores, e alguns fazem cessar o mal, outros a vida, assim também entre os discursos alguns afligem e outros deleitam, outros espantam, outros excitam até o ardor os seus ouvintes, outros envenenam e fascinam a alma com persuasões malvadas.” (GÓRGIAS, Elogio de Helena, 8, 14). “Quanto à sabedoria e ao sábio, eu dou o nome de sábio ao indivíduo capaz de mudar o aspecto das coisas, fazendo ser e parecer bom para esta ou aquela pessoa o que era ou lhe parecia mau.” (Palavras de Protágoras, conforme, PLATÃO, Teeteto, 166d, p. 36). “Mas deixaremos de lado Tísias e Górgias? Esses descobriram que o provável deve ser mais respeitado que o verdadeiro; chegariam até a provar, pela força da palavra, que as coisas miúdas são grandes e que as grandes são pequenas, que o novo é antigo e que o velho é novo.” (PLATÃO, Fedro, 267, p. 251). A retórica era uma das marcas características da sofística. (Cf. W.K. C. GUTRIE, Os Sofistas, p. 167).
Platão (427-347 aC.) opõe-se à retórica de Górgias, porque ele crê na existência de critérios absolutos e universais, que possibilitem reconhecer o verdadeiro e o justo. É justamente isto que distingue a retórica de Górgias da retórica de Platão. Na perspectiva de Platão, a retórica deveria ser utilizada por pessoas interessadas na verdade.
Aristóteles (384-322 aC.), definiu “Retórica” como sendo “a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão”. Segundo ele, a tarefa da retórica, “não consiste em persuadir, mas em discernir os meios de persuadir a propósito de cada questão, como sucede com todas as demais artes.” Aristóteles, dentro de uma perspectiva.
Alguns fazem cessar o mal, outros a vida, assim também entre os discursos alguns afligem e outros deleitam, outros espantam, outros excitam até o ardor os seus ouvintes, outros envenenam e fascinam a alma com persuasões malvadas.” (GÓRGIAS, Elogio de Helena, 8, 14). Observa ainda, que a retórica não deveria ser usada para a persuasão do imoral; todavia, o mau uso da retórica não anulava o seu valor. A Retórica é a arte de falar bem, visando a instrução e principalmente a persuasão. O fim da Retórica é convencer e, o instrumento de que dispõe é a palavra. Creio que Demócrito (460-370 aC.), estava certo ao afirmar que “para a persuasão a palavra frequentemente é mais forte que o ouro.”
Demócrito estava muito atento à importância da persuasão; ele observou corretamente que aquele “que é conduzido ao dever pela persuasão, não é provável que, às ocultas ou às claras, cometa uma falta.” (Frag., 181, p. 342). Por isso, a arte da persuasão não acompanhada de um senso moral, torna-se extremamente perigosa, visto que podemos com a palavra, usando as técnicas da Retórica, tentar convencer que o branco é preto e vice versa, conforme o nosso interesse pessoal, agindo do mesmo modo que os sofistas na antiguidade. A obra de Demóstenes (460-370 aC.). Oração à Coroa e em Shakespeare (1564-1616), Júlio César, a oração de Marco Antônio diante do cadáver de César, se constituem em dois bons exemplos literários concernentes ao poder da retórica. A retórica cristã visa levar o ouvinte a fazer a vontade de Deus.
Tucídides (465-395 aC.), observou em sua monumental obra, História da Guerra do Peloponeso, que: “A significação normal das palavras em relação aos atos muda segundo os caprichos dos homens. A audácia irracional passa a ser considerada lealdade corajosa em relação ao partido; a hesitação prudente se torna covardia dissimulada; a moderação passa a ser uma máscara para a fraqueza covarde, e agir inteligentemente equivale à inércia total. Os impulsos precipitados são vistos como uma virtude viril, mas a prudência no deliberar é um pretexto para a omissão.”
Sócrates (469-399 aC.) entendia que o mérito do orador residia em dizer a verdade. Somente nestes termos ele aceitaria ser chamado de orador.
Uma característica distintiva do homem é a capacidade de julgar, discernindo o bem do mal. Esta capacidade deve ser exercitada por nós no emprego dos recursos que Deus nos tem fornecido. Dentro da nossa linha de estudo, devemos estar atentos ao uso que fazemos da palavra como instrumento de persuasão; como ouvintes, devemos também permanecer alerta para que não sejamos persuadidos pela beleza do discurso, sem verificar a sua validade. Resumindo: “Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo” (Cl 2.8).
A Relação entre a Retórica e a Homilética
A Homilética se propõe a utilizar alguns dos recursos da Retórica para a transmissão da Palavra de Deus; desta forma, podemos dizer que a Retórica é o gênero e a Homilética é a espécie.
Se a Retórica visa convencer o homem quanto a qualquer tema; a Homilética, diferentemente, procura oferecer recursos para que possamos convencer – humanamente falando -, o homem quanto à necessidade de arrependimento e fé em Jesus Cristo. O seu objetivo, portanto, é mais nobre pois, está comprometido com a ordem de Cristo (Mt 28.20; Mc 16.15; At 1.8), a prática apostólica (Cf. At 13.43; 17.4; 19.8; 26.28; 28.23; 2Co 5.11) e a necessidade presente do homem, de encontrar a salvação em Cristo Jesus, em Quem somente há salvação (At 4.12).
A HOMILÉTICA NA IGREJA PRIMITIVA E PATRÍSTICA
Os primeiros pregadores cristãos não se preocuparam com a Retórica clássica e, menos ainda com palavras de sabedoria (1Co 2.4,5). Eles seguiram o estilo dos escribas e anciãos da Sinagoga, evitando num primeiro momento, qualquer tipo de helenização. Este tipo de comportamento pode ser explicado da seguinte forma:
1) Se eles queriam evangelizar os judeus, teriam que entrar no seu campo de estudo – o Antigo Testamento -, que de fato era a única porta de entrada, apresentando uma exegese contundente, todavia, com um quadro de referência diferente, considerando a explícita relação entre as profecias messiânicas e Jesus de Nazaré. Daí o ensino e pregação da Igreja que consistia numa confissão: “Jesus, o Cristo” (At 5.42);
2) Qualquer tentativa de discurso que refletisse uma retórica grega, poderia proporcionar argumentos para os rabinos, de que o Cristianismo era um fenômeno desagregador da cultura judaica, o que contribuiria para a sua repulsa imediata;
3) Os primeiros pregadores cristãos, em sua grande maioria, ignoravam a retórica grega. Havia por certo, nobres exceções, como por exemplo, Apolo de Alexandria (At 18.24), cidade cosmopolita e intelectualizada; e Paulo de Tarso, que deu mostra em seus escritos e sermões preservados por Lucas, de estar familiarizado com a Retórica e os poetas gregos;
4) O descrédito da Retórica, devido aos falsos mestres que usavam deste recurso para ensinar sofismas, defendendo não a verdade, mas sim, aquilo para o qual foram pagos.
A pregação da Igreja Primitiva consistia na demonstração de que as promessas do Antigo Testamento tinham se cumprido em Cristo, daí os pregadores recitarem passagens do AT. e as explicarem à luz da vida e obra de Jesus, o Cristo. Podemos dizer que uma das palavras chaves na pregação apostólica era “cumprimento”.47 Os apóstolos atribuíram ao AT. a mesma relevância que fora conferida por Jesus Cristo em Sua vida e ensinamentos. (Vd. Mc 8.31; Lc 4.21; 24.27,32,44; Jo 5.39; 10.35,36; 13.18; 17.12; 18.9; At 2.17-36; 3.11-26; 4.4; 5.42; 9.22; 13.22-42,44; 17.11; 18.28; 23.23-31, etc). O Evangelho é a boa mensagem de Deus, declarando que em Jesus Cristo, temos o cumprimento de Suas promessas a Israel, e que o caminho da salvação foi aberto a todos os povos. Deste modo, o Evangelho não deve ser colocado em contraposição ao Antigo Testamento, como se Deus tivesse alterado Sua maneira de tratar com o homem, mas antes, é o cumprimento da Sua promessa (Mt 11.2-5). O próprio Jesus, ao ler a profecia de Isaías, identificou-se como O que fora prometido (Lc 4.16-21). A novidade da Boa Mensagem não está, como se tem pretendido, em alguns dos seus conceitos, tais como: a Paternidade de Deus, o Deus de amor, perdão e misericórdia; pois nada disto falta ao Antigo Testamento. Ela também não consiste simplesmente, na ênfase destes elementos que, no caso, estariam sombreados no Antigo Testamento (embora isto também ocorra); na realidade, a novidade está na palavra já mencionada: CUMPRIMENTO. Aquilo que é prometido no Antigo Testamento, atingiu o seu clímax: o prometido se cumpriu. O Novo Testamento não diz algo novo a respeito de Deus; ele apenas mostra que Deus cumpriu as Suas promessas (Mt 1.22,23; 8.17; Mc 15.28; At 2.16-36; 13.32-35; 1Pe 1.10-12) Evangelização na Igreja Primitiva, p. 95ss. J. CALVINO, escreveu: “Com efeito, recebo o Evangelho como a clara manifestação do mistério de Cristo. E uma vez que o Evangelho é chamado por Paulo ‘a doutrina da fé’ (1Tm 4.6), reconheço, na verdade, que se lhe contam como partes todas e quaisquer promessas que amiúde ocorrem na Lei acerca da graciosa remissão dos pecados, mediante as quais Deus reconcilia os homens a Si.” (J. CALVINO, As Institutas, II.9.2).
No período pós-apostólico as homilias consistiam numa simples exposição popular de alguma passagem das Escrituras lida na Congregação. Esta exposição, que tinha um caráter informal, tendo pouco ou nada a ver com a retórica grega. Era acompanhada de reflexões e exortações morais. Com o passar do tempo, a pregação cristã foi se tornando mais elaborada, deixando gradativamente o seu caráter até certo ponto informal. Esta transformação deve-se fundamentalmente aos seguintes motivos:
a) A disseminação do Evangelho entre os gentios: No mundo greco-romano a Retórica era a coroa da educação liberal, ganhando forte ênfase no quarto século. Pois bem, se um pregador desejasse ter um ouvido benigno para com a sua mensagem, num mundo com semelhante ênfase na oratória, seu estilo seria fundamental.
b) A Conversão de homens que já tinham sido treinados na Retórica: Destes convertidos, muitos se tornaram pregadores, usando naturalmente seus dotes oratórios e sua formação retórica na proclamação do Evangelho.
c) Ênfase na Retórica, este argumento é decorrente do anterior. Ainda que no primeiro século a separação entre a pregação cristã e a retórica tivessem uma nítida distinção (1Co 2.4,5), a partir do segundo século as diferenças tornaram-se cada vez mais tênues. Mesmo a Retórica não ocupando o mesmo lugar de destaque como, por exemplo, no tempo de Quintiliano (35-100 AD), ela era enfatizada nas Escolas. No início da Idade Média, a Retórica teria um novo alento, quando a partir do V século, ela viria constituir-se juntamente com a Gramática e a Lógica, o trivium – um curso preparatório para o quadrivium (Aritmética, geometria, astronomia e música). O Trivium e o Quadrivium. É óbvio que esta assimilação cristã da “cultura pagã”, envolvendo a “Filosofia” e a “Retórica”, não foi sem resistência já que nem todos concordavam em pagar um preço considerado por demais elevado: Justino, filósofo e Mártir (100- 165 AD), entendia que a Filosofia era “efetivamente, e na realidade o maior dos bens, e o mais precioso perante Deus, ao qual ela nos conduz e recomenda. E santos, na verdade, são aqueles que à filosofia consagram sua inteligência.” (Justino, Diálogo com Trifão, 2: In: Alexander ROBERTS & James DONALDSON, Vol. I, p. 195). Alhures, declara: “A felicidade é a ciência do ser e do conhecimento da verdade, e a felicidade é a recompensa desta ciência e deste conhecimento.” (JUSTINO, Diálogo com Trifão, p. 196). Clemente de Alexandria (153-215 AD), escreveu: “Até a vinda do Senhor a filosofia foi necessária aos gregos para alcançarem a justiça. Presentemente ela auxilia a religião verdadeira emprestando-lhe sua metodologia para guiar aqueles que chegam à fé pelo caminho da demonstração (…). Assim a filosofia foi um pedagogo que levou os gregos a Cristo (…), como a lei levou a Cristo os hebreus. A filosofia foi um preparo que abriu caminho à perfeição em Cristo.” (CLEMENTE, Stromata, I.5: Vol. II, p. 305).
Os testemunhos históricos que temos a partir do segundo século, informam-nos que apesar de perseguidos, os cristãos davam o seu testemunho, sendo muitas vezes martirizados – aliás a palavra grega “mártir” significa “testemunha” -, vemos também que o seu comportamento era contagiante através de uma conduta diferente, que procurava se pautar pela Palavra de Deus.
Aqui torna-se oportuno transcrever parte de um documento anônimo, escrito ao que parece no final do 2° século, intitulado “Carta a Diogneto”, que consistia numa explicação do pensamento, conduta e fé cristã, dirigida a um pagão que, impressionado com o testemunho cristão, queria saber mais a respeito desta religião.
Apesar de uma história de discriminação, perseguição e martírio, o Cristianismo cresceu… No IV século, o Imperador Constantino (280-337) promulgou o Édito de Milão (313), no qual declarava o fim das perseguições aos cristãos e a restituição de suas propriedades. Em 330, Constantino inaugurou a cidade de Constantinopla transferindo a capital de Roma para a nova cidade. Numa carta a Eusébio, bispo de Cesaréia, Constantino pedindo com urgência a preparação de 50 Bíblias para a nova capital, revela algo a respeito do crescimento do número de cristãos e de Igrejas: “Com a ajuda da providência de Deus, nosso Salvador, são muitíssimos os que se hão incorporado à santíssima Igreja na cidade que leva o meu nome. Parece, pois, mui conveniente que, respondendo ao rápido progresso da cidade sob todos os aspectos, se aumente também o número de Igrejas….”. O cristianismo tornara-se popular, sendo seus cultos muito concorridos.
d) O Declínio dos Pregadores Judeus-Cristãos e Judeus: Temos aqui, ao meu ver, mais um efeito dos dois primeiros motivos. A pregação do estilo judeu cedeu lugar a uma pregação mais elaborada, modelada ao senso estético grego e romano. Dentre os homens que se converteram ao Cristianismo e que deram contribuição à arte da pregação, destacamos: Clemente de Alexandria (150-215); Tertuliano (150-220); Orígenes (185-254); Lactâncio (240-320); Cipriano (200-285); Basílio Magno (330- 379); Arnobius (IV séc.), mestre de Retórica em Sicca, na província Romana da África; Crisóstomo (347-407); Gregório de Nissa (335-394); Ambrósio (340-397); João de Antíoco (347-407) e Agostinho de Hipona (354-430).
Foi Orígenes quem iniciou a caminhada de transição da “homilia” informal, para o sermão mais elaborado. Todavia, quem exerceu maior influência na pregação cristã deste período, foi Agostinho, na sua obra, “De Doctrina Christiana” (397-427), que tomando Paulo como “modelo de eloqüência”, seguiu de perto a Aristóteles e Cícero. Estabelecendo uma relação entre os princípios da teoria retórica com a tarefa da pregação, fazendo as adaptações necessárias, ele insistiu – seguindo a Cícero -, que a pregação tem três propósitos: Instruir (docere); Agradar (delectare) e Persuadir (flectere), enfatizando este último.
AGOSTINHO, escreveria mais tarde: “É um fato, que pela arte da retórica é possível persuadir o que é verdadeiro como o que é falso.” (AGOSTINHO, A Doutrina Cristã, IV.2.3. p. 214). Agostinho, também deu ênfase à necessidade de haver um acordo entre a vida e as palavras do pregador, bem como a necessidade de oração como uma preparação para o sermão:
Cap. 2. O Sermão e a Pregação: uma perspectiva reformada
“Não é a engenhosidade de nossos métodos, nem as técnicas de nosso ministério, nem a perspicácia de nossos sermões que trazem poder ao nosso testemunho. É a obediência a um Deus santo e a fidelidade ao seu justo padrão em nosso viver diário.” – John F. MacArthur
“A preparação da pregação deve ser o dever primordial do pastor.” – Karl Barth.
Na Reforma Protestante do Século XVI, a Igreja foi compreendida dentro da perspectiva de “povo de Deus”, não simplesmente como um edifício ou uma organização institucional, mas sim, como povo de Deus que se reúne para adorar a Deus, sendo a Igreja caracterizada pela ministração correta da Palavra e dos Sacramentos. Calvino (1509-1564, a verdadeira pregação da Palavra de Deus e a cor Esta concepção pode ser resumida na afirmação de que Cristo é a marca essencial da Igreja,
Os reformadores vão enfatizar o estudo da Palavra, visto que este fora ofuscado pela preocupação filosófica: A Razão havia tomado o lugar da Revelação. Na Reforma, o ponto de partida não é o homem; ele não é considerado “a medida de todas as coisas”; antes, a sua dignidade consiste em ter sido criado à imagem de Deus.
A Reforma teve como objetivo precípuo uma volta às Sagradas Escrituras, a fim de reformar a Igreja que havia caído ao longo dos séculos, numa decadência teológica, moral e espiritual. A preocupação dos reformadores era principalmente “a reforma da vida, da adoração e da doutrina à luz da Palavra de Deus”. Desta forma, a partir da Palavra, passaram a pensar acerca de Deus, do homem e do mundo! A reforma foi acima de tudo uma proclamação positiva do evangelho Cristão. Sobretudo, uma maneira teocêntrica de ver, interpretar e atuar na história.
A Reforma teve como um de seus marcos fundamentais o “reavivamento” da pregação da Palavra. À Igreja foi confiada a Palavra de Deus, a qual ela deve preservar em seus ensinamentos e prática (Rm 3.2; 1Tm 3.15). Calvino entendia que “a verdade, porém, só é preservada no mundo através do ministério da Igreja. Daí, que peso de responsabilidade repousa sobre os pastores, a quem se tem confiado o encargo de um tesouro tão inestimável!”. Escrevendo a Cranmer (jul / 1552?) diz: “A sã doutrina certamente jamais prevalecerá, até que as igrejas sejam melhor providas de pastores qualificados que possam desempenhar com seriedade o ofício de pastor.”
Como exemplo temos Calvino, fiel à sua compreensão da relevância da pregação bíblica, usou de modo especial, o método de expor e aplicar quase todos os livros das Escrituras à sua congregação. A sua mensagem se constitui num monumento de exegese, clareza e fidelidade à Palavra, sabendo aplicá-la com maestria aos seus ouvintes.
De fato, não deixa de ser surpreendente, o conselho de Jacobus Arminius (premissas do surgimento do pentecostalismo (1560-1609): “Eu exorto aos estudantes que depois das Sagradas Escrituras leiam os Comentários de Calvino, pois eu lhes digo que ele é incomparável na interpretação da Escritura.”
A fecundidade exegética de Calvino tinha sempre uma preocupação primordialmente pastoral. Estima-se que Calvino durante os seus trinta e cinco anos de Ministério – pregando dois sermões por domingo e uma vez por dia em semanas alternada – tenha pregado mais de três mil sermões. Calvino, entendia que Deus, na Sua Palavra, “se acomodava à nossa capacidade”, pronunciando a Sua Palavra a nós como as amas fazem com as crianças. Resumindo: “Em Cristo, Deus, por assim dizer, tornou-se pequeno, para acomodar-se à nossa compreensão”. Portanto, quando lemos as Escrituras, somos arrebatados mais pela dignidade do conteúdo que pela graça da linguagem.
Esses pontos tornam o homem inescusável e realçam a relevância das Escrituras para a vida cristã. Ele diz: “Ora, primeiro, com Sua Palavra nos ensina e instrui o Senhor; finalmente, com a luz de Seu Santo Espírito a mente nos ilumina e abre acesso em nosso coração à Palavra que, de outra sorte, apenas feririam os ouvidos e aos olhos se apresentariam, mas, longe estariam de afetar-nos o íntimo. Aqui temos um paradoxo: A Palavra de Deus permanece, entretanto, como algo misterioso para os que não crêem ou que desejam entendê-la por sua própria sabedoria pois, os tesouros da sabedoria celestial, acham-se fora do alcance da cultura humana. Todos somos incapazes de entender os mistérios de Deus até que Ele mesmo por Sua graça nos ilumine.
O Comentário de Romanos não foge a este princípio, o reconhecimento de que é o Espírito Quem deve nos guiar na compreensão das Escrituras. E, o conselho que o próprio Calvino emitiu no Prefácio à edição francesa das Institutas (1541), permanece para todas as suas obras, também como princípio avaliador de qualquer labor humano: “Importa em tudo quanto exponho recorrer ao testemunho da Escritura, que aduzo para ajuizar da procedência e justeza do que afirmo.”
A pregação não deve ser rejeitada; ela deve ser entendida como a Palavra de Deus para nós; recusá-la é o mesmo que rejeitar o Espírito (1Ts 4.8“Dessarte, quem rejeita estas coisas não rejeita o homem, e sim a Deus, que também vos dá o seu Espírito Santo”). O mundo por sua vez, deseja ansiosamente ouvir, porém, não a Palavra de Deus (1Jo 4.5). Como há falsos pregadores e falsos mestres, é necessário “provar” o que está sendo proclamado para ver se o seu conteúdo se pronuncia com a Palavra de Deus (At 17.11,12 / 1Jo 4.1-6). No entanto, neste período de grandes e graves transformações, torna-se evidente que os homens, de forma cada vez mais veemente, querem ouvir mais o reflexo de seus desejos e pensamentos, a homologação de suas práticas. Assim sendo, a palavra que deveria ser profética, tende com demasiada frequência – mesmo assinando o seu obituário -, a se tornar apenas algo apetecível ao “público alvo”, aos seus valores e devaneios, ou, então, nós pregadores, somos tentados a usar de nossa “eloquência” para compartilhar generalidades da semana, sempre, é claro, com uma alusão bíblica aqui ou ali, para justificar a nossa “pregação”; o fato é que uma geração incrédula, é sempre acintosamente crítica para com a palavra profética.
Parece-me correto o comentário de Vincent quando declara que a demanda gera o suprimento. Os ouvintes convidam e moldam os seus próprios pregadores. Se as pessoas desejam um bezerrro para adorar, o ministro que fabrica bezerros logo é encontrado. É preciso atenção redobrada para não cairmos nesta armadilha já que não é difícil confundir os efeitos de uma mensagem pelo conteúdo do que anunciamos: a pregação deve ser avaliada pelo seu conteúdo não pelos seus supostos resultados. Esse assunto está ligado à vertente relacionada ao crescimento de igreja. Iain Murray está correto ao afirmar:
A confusão é fácil de ser feita porque, como acentua MacArthur: “O pregador que traz a mensagem que mais necessitam ouvir é aquele que eles menos gostam de ouvir.” Portanto, a popularidade pode em muitos casos, ser um atestado da infidelidade do pregador na transmissão da voz profética. Esperar a aprovação unânime da Igreja ao que pregamos, é um forte sintoma de imaturidade. Lembremo-nos: “Toda a tarefa do ministro fiel gira em torno da Palavra de Deus – guardá-la, estudá-la e proclamá-la”: “Ninguém pode pregar com poder sobrenatural, se não pregar a Palavra de Deus.” No final, quando Cristo retornar, certamente Ele não se interessará pela nossa escola homilética ou, se fomos “progressistas” ou “conservadores”, mas sim, se fomos fiéis à Palavra em nossa vida e pregação.
Insistimos: devemos estar sinceramente atentos ao que o Espírito diz à Igreja através da Palavra, a fim de praticar os Seus ensinamentos. E isto é válido tanto para quem ouve como para quem prega…
Por outro lado, aquele que prega deve ter consciência de que o púlpito não é o lugar para se exercitar as opiniões pessoais e subjetivas, mas sim, para pregar a Palavra, anunciando todo o desígnio de Deus, sob a iluminação do Espírito.
Alexander R. Vinet (1797-1847) definiu bem a pregação, ao dizer ser ela “a explicação da Palavra de Deus, a exposição das verdades cristãs, e a aplicação dessas verdades ao nosso rebanho.”
Uma outra verdade que precisa ser ressaltada, é que apesar de muitos de nós não sermos “grandes” pregadores ou existirem pregadores infiéis, Deus fala: A Palavra de Deus é mais poderosa do que a nossa incompetência ou a infidelidade de outros. Deus não conhece empecilho para a Sua vontade: nem mesmo um mal pregador. Por isso, há a responsabilidade de ambos os lados: Quem prega, pregue a Palavra; quem ouve, ouça com discernimento a Palavra do Espírito de Deus.
Devemos ter sempre em mente que a pregação foi o meio deliberadamente escolhido por Deus para transformar pessoas e edificar o Seu povo, preservando a sã doutrina através da Igreja que é o baluarte da verdade. Não ousemos menosprezar o principal instrumento de evangelismo: a proclamação direta e cristocêntrica da genuína Palavra de Deus. Aqueles que trocam a Palavra por entretenimento ou artifícios descobrirão que não possuem um meio eficaz de alcançar as pessoas com a verdade de Cristo.”
A pregação é uma tarefa de ínterim; ela ocorre num locus temporal: entre a realidade histórica do Cristo encarnado e a volta do Cristo glorificado e, é nesta condição que ela se realiza e se desenvolve. A Igreja prega a Palavra cumprindo assim o seu ministério ordenado pelo próprio Deus; para tanto ela se prepara da melhor forma possível, usando de todos os recursos disponíveis que se harmonizam com os princípios bíblicos, recorrendo de modo indispensável ao auxílio do Espírito na concretização de sua missão. Tornemos ao nosso ponto.
3. Requisitos essenciais a pregação eficiente
Dotes Naturais
Deus chama os Seus servos e os capacita para a tarefa que eles terão de realizar. A pregação da Palavra exige dotes “naturais” como clareza de raciocínio, fluência, dicção clara, sensibilidade. Estes dotes podem e devem ser melhorados ou desenvolvidos. Não é suficiente que uma pessoa seja eminente no conhecimento profundo, se não é acompanhada do talento para ensinar. Anthony A. Hoekema, observou que: “O período entre a primeira e a segunda vinda de Cristo é a era missionária por excelência. Este é o tempo da graça, um tempo em que Deus convida e insta com todos os homens para serem salvos.”
No entanto, deve ser dito que se nós fomos chamados por Deus é porque Ele deseja falar ao povo através de nós; portanto, não tentemos ser outra pessoa; Deus nos usa, com nossas características e limitações na transmissão da Sua Palavra. “Mantenham sempre diante de suas mentes a grandeza do seu chamado”, aconselha Warfield.
Cultura Geral
O ministério é uma ‘profissão erudita’; e o homem sem conhecimento é desqualificado para estes deveres independentemente independentemente dos outros talentos que possa ter. B.B. Warfield.
O Pregador deve procurar estar atualizado, ler jornais e revistas, assistir o noticiário da TV, procurando estar em dia com os acontecimentos do seu tempo. Ao mesmo tempo, é imprescindível ao pregador o gosto pela leitura, quer clássica quer contemporânea, a fim de que possa ter melhores condições de ilustrar a sua mensagem, adquirir um raciocínio mais eficiente, ter enfim melhores recursos no convívio social e na transmissão da mensagem. O pregador deve utilizar-se dos seus dotes naturais e, também, buscar outros recursos concedidos pela sabedoria de Deus graciosamente demonstrada no mundo que possam ser-lhe úteis.
Apóstolo Paulo não seria tão irracional que condenasse como algo fora de propósito aquelas artes, as quais, sem a menor dúvida, são esplêndidos dons de Deus, dons estes que poderíamos chamar de instrumentos para auxiliarem os homens no desempenho de suas atividades nobres. Portanto, não há nada de irreligioso nessas artes, pois são detentoras de ciência saudável, e estão subordinados a princípios verdadeiros; e visto que são úteis e adequáveis às atividades gerais da sociedade humana, é indubitável que sua origem está no Espírito. Além do mais, a utilidade que é derivada e experienciada delas não deve ser atribuída a ninguém, senão a Deus. Portanto, o que Paulo diz aqui não deve ser considerado como um desdouro das artes, como se estas estivessem agindo contra a religião.
Deste modo, podemos perceber que a pregação não é algo simples. Se quisermos ser pregadores fiéis e, portanto, relevantes, devemos nos dedicar com afinco ao estudo sério e sistemático. Não há lugar para a preguiça no ministério, ainda mais na pregação da Palavra. (…) Os que não assumirem o compromisso de dedicar-se com esforço à pregação devem ficar longo do púlpito.
No século XVII, Richard Baxter (1615-1691) já apontava para esta questão, indicando como um dos males de sua época, a preguiça de alguns ministros, mal este, que talvez ainda hoje sobreviva em determinados círculos. São poucos os que se preocupam em ser bem informados e bem preparados para a realização progressista da obra. Alguns não têm prazer nenhum em seus estudos, tomando para isso uma hora aqui, uma hora ali, e ainda como uma tarefa não bem vinda, que são forçados a fazer. Alegram-se quando podem escapar desse jugo. (…) Na verdade, quantas coisas há, que o ministro tem que compreender! Quão defeituoso é ignorá-las! Quanto perdemos, quando não utilizamos esse conhecimento em nosso ministério! Muitos ministros só estudam o bastante para o preparo dos seus sermões e pouca cousa mais. Todavia existem muitos livros que podem ser lidos e muitos assuntos com os quais podemos familiarizar-nos. Mesmo em nossos sermões, muitas vezes negligenciamos estudar mais do que apenas reunir uns poucos dados, e deixamos de ir mais fundo, para ver como poderemos fazer que essas questões invadam os corações doutras pessoas. Devemos estudar as maneiras de persuadir os outros, de conquistar-lhes o íntimo e de expor a verdade ao vivo e não deixá-la no ar. A experiência nos diz que não podemos ser cultos ou sábios sem estudo árduo, sem trabalho incansável e sem exercício constante.
No entanto, a leitura não é apenas uma colagem de informações e interpretações. Ivan Lins (1904-1975), diz com acerto que “Os bons livros não valem só pelo que encerram, mais ainda pelo que sugerem.” O universo da leitura não está restrito ao conteúdo do lido mas, também, as ideias que dela procedem, quer sugeridas pelo escritor, quer fruto da imaginação daquele que o lê; o texto escrito, dentro de suas variadas interpretações perde a sua identidade autoral para ter agora co-autores que deles se valem na busca da compreensão do escrito e vivido.
Como o nome já diz em sua origem latina, o “leitor” (legere), é aquele que percorre a vista e ao mesmo tempo, interpreta o que está escrito. Por sua vez, lego, significa “reunir”, “colher”; portanto, o leitor é aquele que interpreta, colhendo de forma seletiva as informações e juízos. Deste modo, podemos perceber que a pregação não é algo simples. Se quisermos ser pregadores fiéis e, portanto, relevantes, devemos nos dedicar com afinco ao estudo sério e sistemático.
Habilidade
Saber escolher a disposição do material. Isto exige treino: Ouvir bons pregadores, ler sermões, praticar e praticar. Aprender sem praticar é o mesmo que arar e não semear. A prática da pregação é na realidade o ato de arar e semear ao mesmo tempo.
Piedade
“Não se requer de um pastor apenas cultura, mas também inabalável fidelidade pela sã doutrina, ao ponto de jamais apartar-se dela”.
Em 1Tm 4.8, vemos que a piedade é essencial à pregação eficiente. A mensagem deve ser pregada para si mesmo; os ideais propostos devem se tornar os nossos ideais. A técnica e a homilética não devem nos conduzir a negligenciar a piedade. O sermão não deve ser visto como um fim em si mesmo, mas, como um instrumento de Deus para a transmissão da Sua graça, para produzir fé nos Seus escolhidos (Rm 10.17; Tg 1.18; 1Pe 1.23 “pois fostes regenerados não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra de Deus, a qual vive e é permanente.”). Amor genuíno e perseverante por outros somente é possível por causa do amor que Deus nos mostrou primeiro ao efetuar em nós o novo nascimento em Cristo (Jo 13.35; 1Jo 4.7-11).
Ficamos genuinamente preocupados com a teologia como fundamento de uma prática verdadeiramente bíblica, devemos tomar em séria consideração a observação do eminente pregador, Lloyd-Jones (1899-1981):
Requisitos fundamentais do sermão
O sermão antes de ser elaborado deve ter uma estrutura em nossa mente. A estrutura é como uma planta na construção de um edifício. No entanto a estrutura sozinha de nada adianta, é preciso ser preenchida.
Ponto |
Todo sermão deve seguir em torno de uma ideia central a qual serve de tese para ser demonstrada ou como pressuposto que é aceito, não precisando de demonstração. O ponto exerce uma força centrípeta que atrai todos os argumentos para si. Contudo, lembremo-nos sempre de que “o texto é que nos conduz não um tema.” Esse ponto deve ser deixado claro na mente de nossos ouvintes. Após o sermão, ainda que eles não se lembrem de tudo que falamos, saibam sobre o que falamos e o que sustentamos.
Unidade |
A unidade decorrente do texto, consiste na relação estabelecida entre as partes e o todo: Subordinar as ideias secundárias às primárias, apontando sempre para uma meta. Neste processo, precisamos omitir algumas coisas desnecessárias no momento, a fim de ressaltar a verdade focalizada. Assim, pregar não significa dizer tudo que sabemos a respeito do texto ou citar todos os textos da Bíblia que confirme o que estamos dizendo mas, ordenar as ideias de forma coerente e organizar o material de que dispomos de forma seletiva. Para tanto precisamos de uma proposição específica para a qual o sermão caminha firmemente.
Ordem |
A pregação exige clareza e coordenação a fim de sermos bem compreendidos. A falta de ordem gera obscuridade. A boa ordem exige a ligação entre as ideias a fim de que uma puxe a outra e cada uma delas, pressuponha a anterior. Esta disposição ordenada, caminha para um clímax, para o maior impacto, o coroamento da mensagem.
Proporção |
O sermão não deve ter uma ênfase exagerada num determinado argumento em prejuízo dos demais. Cada argumento deve ter o tempo necessário conforme a relevância dele para o seu sermão, a fim que não haja desproporção.
Movimento |
O sermão deve ter ideias coordenadas que estão a caminho de uma conclusão: Isto nós chamamos de movimento. Ele tem uma meta definida e nada deverá fazer com que ele se desvie da sua rota. Um sermão é uma tarefa com uma visão de seu objetivo; um sermão sem objetivo é apenas um aglomerado de palavras e conceitos isolados.
A vivacidade deste movimento, deste progresso no sermão é de grande importância para manter o auditório atento.
Fidelidade Textual |
O pregador proclama a Palavra de Deus. Para que isto seja feito com fidelidade, é necessária uma interpretação cuidadosa do texto Bíblico, considerando o seu contexto, uma exegese bem feita, a fim de que ensinemos com fidelidade o que o texto diz. Lutero acentuou que “Não há tesouro mais precioso nem coisa mais nobre na terra e nesta vida do que um verdadeiro e fiel pastor ou pregador.” Barth (1886-1968) exorta: “Para ser positiva, a pregação deve ser uma explicação da Escritura.” Em outro lugar aquele que deseja pregar deve estudar mui atentamente seu texto. Em vez de atenção, seria melhor dizer ‘zelo’, ou seja, esforço de aplicação para descobrir o que se diz neste texto que está aí diante de seus olhos. Para isso é necessário um trabalho exegético, científico. Porque a Bíblia é também um documento histórico; nasceu em meio da vida dos homens. Uma curiosidade: O historiador Hoornaert observa que a ausência de livros no Brasil, trouxe graves prejuízos ao cristianismo brasileiro: “O Brasil colonial constituiu praticamente uma civilização sem livro.” Em outro lugar, insiste: “Difícil exagerar a influência negativa da inquisição sobre a formação de uma teologia livre e viva no Brasil. (…) É fácil imaginar o prejuízo decorrente desta falta de livros, ou melhor, de circulação de livros: não pode haver reflexão propriamente cristã sem espírito crítico, que se propaga pelos escritos. Um cristianismo sem livros se expõe ao perigo de tornar-se um cristianismo divorciado da teologia, um puro moralismo, um puro formalismo, um instrumento nas mãos dos poderosos.”
Fazendo uma pequena digressão, Calvino, na sua carta dedicatória, dirigida a seu amigo de Basiléia, Simon Grynaeus (1493-1540), a quem chama de “homem dotado de excelentes virtudes”, com quem discutira alguns anos antes sobre a melhor maneira de interpretar as Escrituras, concluía, conforme também pensava Grynaeus, que “a lúcida brevidade [“perspicua brevitas”] constituía a peculiar virtude de um bom intérprete. Visto que quase a única tarefa do intérprete é penetrar fundo na mente do escritor a quem deseja interpretar, o mesmo erra seu alvo, ou, no mínimo, ultrapassa seus limites, se leva seus leitores para além do significado original do autor.
Portanto, o que o norteia em seus comentários é a “brevidade na interpretação.” Calvino em sua interpretação e exposição procurava entender as passagens bíblicas à luz de toda a Escritura; a sua exegese, conforme expressão de Murray, é “teologicamente orientada”. Não buscava algo novo, aliás, a busca do novo pelo novo sempre me soou estranha teologicamente falando, antes desejava compreender a Palavra de Deus e aplicá-la à sua vida e à Igreja. Deus Se revelou na Sua Palavra, para que possamos ser conduzidos a Cristo, aprendendo dEle a respeito de Si mesmo, de nós e do significado de todas as coisas… Portanto, Ele deseja nos ensinar
A eloquência não se acha de forma alguma conflitante com a simplicidade do Evangelho quando, livre do desprezo dos homens, não só lhe dá o lugar de honra e se põe em sujeição a ele, mas também o serve como uma empregada à sua patroa. A questão está em não usar desses meios como sendo a força do Evangelho, esquecendo-se de sua simplicidade que é nos comunicada pelo Espírito. Não devemos condenar nem rejeitar a classe de eloquência que não almeja cativar cristãos com um requinte exterior de palavras, nem intoxicar com deleites fúteis, nem fazer cócegas em seus ouvidos com sua suave melodia, nem mergulhar a Cruz de Cristo em sua vã ostentação. A eloquência que está em conformidade com o Espírito de Deus não é bombástica nem ostentosa, como também não produz um forte volume de ruídos que equivalem a nada. Antes, ela é genuína e eficaz, e possui muito mais sinceridade do que refinamento. Em outro lugar, a erudição unida à piedade e aos demais dotes do bom pastor, são como uma preparação para o ministério. Pois, aqueles que o Senhor escolhe para o ministério, equipa-os antes com essas armas que são requeridas para desempenhá-lo, de sorte que lhe não venham vazios e despreparados.
Deve ser enfatizado que Calvino usou como ninguém de todas as ferramentas disponíveis no seu tempo para uma boa exegese,153 dispondo o seu material de forma clara,
Portanto, a eloquência de Deus deve propiciar a nossa adoração; o seu silêncio, o nosso reverente temor. Em outro lugar, comenta: Tudo o mais que pesa sobre nós e que devemos buscar é nada sabermos senão o que o Senhor quis revelar à Sua igreja. Eis o limite de nosso conhecimento.
Por outro lado, tudo o que o Senhor ensinou e fez registrar em Sua Palavra é útil e necessário para a Sua Igreja. 2Tm 3.16,
Portanto, a doutrina bíblica não é apenas para o nosso deleite espiritual e reflexivo, antes, exige de forma imperativa um compromisso de vida e obediência. Deste modo, o fim de um teólogo não pode ser deleitar o ouvido, senão confirmar as consciências ensinando a verdade e o que é certo e proveitoso.
O conhecimento de Deus e da Sua Palavra não visa satisfazer a nossa curiosidade pecaminosa, mas, sim, conduzir-nos a Ele em adoração e louvor: “O conhecimento de Deus não está posto em fria especulação, mas Lhe traz consigo o culto”, (As Institutas, I.12.1) que é o objetivo máximo de nossa existência.
H.W. Robinson, faz uma observação que deve-nos servir de alerta. Ele diz, por certo observando a realidade:
Elemento Didático |
O sermão não é ensaio literário, nem preleção sobre um tema qualquer. O sermão parte da Palavra de Deus, de onde deriva o seu tema e o seu conteúdo, visando sempre ensinar os seus ouvintes e ao mesmo tempo, levá-los a assumir uma posição diante do que ouviram. O ensino é fundamental no sermão. A missão da Igreja é ensinar a Palavra (Mt 28.19-20). Portanto, a incapacidade de pregar com simplicidade, verdade e didático é indesculpável.
[1] No Dicionário de Antônio Geraldo da CUNHA, encontramos a seguinte definição de homilia: “Sermão que tem por objeto explicar assuntos doutrinários.” (Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, p. 415).