CGMEB REGIONAL ARARAQUARA-SP

1. Introdução à Bioética Cristã

2. Fundamentos Teológicos

3. Princípios Éticos na Bioética Cristã

4. Temas e Questões Bioéticas Específicas

5. Ética da Pesquisa Biomédica

6. Bioética Ambiental

7. Aplicação Prática da Bioética Cristã

8. Conclusão

Reflexão Autanásia

Estudo em Tópicos sobre Bioética com Parâmetros no Cristianismo

A Bioética Cristã é um campo de estudo que aborda questões éticas relacionadas às ciências biológicas e médicas à luz dos princípios cristãos. Vamos explorar brevemente alguns tópicos.

  • Definição de Bioética: Estudo das questões éticas emergentes das ciências biológicas e médicas.
  • Perspectiva Cristã: Enfoque na dignidade humana, santidade da vida e princípios bíblicos.

Definição de Bioética

A bioética é um campo interdisciplinar que se dedica ao estudo das questões éticas que surgem nas ciências biológicas e médicas. Envolve a análise de dilemas morais que emergem do avanço científico e tecnológico, como aqueles relacionados à reprodução assistida, genética, cuidados no final da vida, e pesquisa biomédica. A bioética procura estabelecer diretrizes e princípios que orientem a prática médica e científica de maneira ética e responsável.

Perspectiva Cristã

Sob a perspectiva cristã, a bioética é fundamentada nos ensinamentos bíblicos e na tradição teológica cristã. A fé cristã oferece uma base sólida para abordar questões bioéticas, enfatizando a dignidade intrínseca de cada ser humano, a santidade da vida e a necessidade de agir com compaixão e justiça. Os princípios cristãos influenciam diretamente a forma como os dilemas bioéticos são abordados, guiando as decisões com base no amor ao próximo, no respeito à criação divina e na busca pela verdade e justiça.

Princípios Fundamentais

Na bioética cristã, três princípios são frequentemente destacados:

A dignidade humana é central na bioética cristã. Acredita-se que todo ser humano, desde a concepção até a morte natural, possui valor intrínseco e deve ser tratado com respeito.

A santidade da vida é enfatizada, considerando que a vida é um dom de Deus e deve ser protegida e valorizada. A santidade da vida, que reconhece a vida humana como sagrada e digna de proteção desde a concepção até a morte natural;

Os princípios bíblicos também orientam a bioética cristã. A Bíblia oferece insights sobre a criação, a imagem de Deus nos seres humanos e a responsabilidade de cuidar uns dos outros.

O amor ao próximo, que exige que as ações sejam motivadas pelo cuidado e compaixão pelos outros;

A mordomia, que envolve a responsabilidade de cuidar da criação de Deus, incluindo o meio ambiente e a saúde. Estes princípios formam a base para a tomada de decisões éticas que refletem os valores cristãos, promovendo a dignidade humana e a justiça em todos os aspectos da vida.

  • Imago Dei: Conceito de que todos os seres humanos são criados à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1:27).
  • Santidade da Vida: A vida humana é sagrada desde a concepção até a morte natural.
  • Amor ao Próximo: Princípio de amar e cuidar do próximo como a si mesmo (Mateus 22:39).

Imago Dei

O conceito de Imago Dei refere-se à crença de que os seres humanos foram criados à imagem e semelhança de Deus, conforme descrito em Gênesis 1:27: “E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou.” Este princípio teológico é central na bioética cristã, pois estabelece a dignidade intrínseca e o valor de cada pessoa. Ser criado à imagem de Deus implica que todos os seres humanos possuem um valor e uma dignidade que não dependem de suas capacidades físicas, mentais ou sociais. Essa perspectiva tem profundas implicações éticas, especialmente em questões como o aborto, a eutanásia e a manipulação genética, onde a dignidade e o valor da vida humana devem ser respeitados e protegidos.

Santidade da Vida

A santidade da vida é um princípio que afirma que toda vida humana é sagrada e deve ser protegida. Este conceito é derivado de várias passagens bíblicas que destacam a importância da vida humana, incluindo o Salmo 139:13-16, que celebra a criação divina no ventre materno, e o mandamento “Não matarás” (Êxodo 20:13). Na bioética cristã, a santidade da vida implica que a vida deve ser valorizada desde a concepção até a morte natural, o que leva a posições éticas geralmente contrárias ao aborto e à eutanásia. Este princípio também orienta a prática médica a procurar sempre preservar a vida, oferecendo cuidados paliativos e conforto aos pacientes terminais, em vez de buscar a morte como solução para o sofrimento.

Amor ao Próximo

O mandamento de amor ao próximo, encontrado em Mateus 22:39 (“Amarás o teu próximo como a ti mesmo”), é fundamental para a ética cristã e, por extensão, para a bioética. Este princípio orienta os cristãos a agirem com compaixão, empatia e justiça em suas interações com os outros. Na prática da bioética, amar o próximo significa tomar decisões que busquem o bem-estar do paciente, respeitar sua dignidade e direitos, e agir com misericórdia e compaixão. Isso inclui oferecer cuidados de saúde justos e equitativos, respeitar a autonomia do paciente e evitar práticas que possam causar dano. O amor ao próximo também se estende à responsabilidade de defender os vulneráveis e marginalizados, promovendo a justiça social e o acesso equitativo aos recursos de saúde.

Esses fundamentos teológicos são essenciais para a bioética cristã, pois oferecem uma base moral sólida para enfrentar os complexos dilemas éticos que surgem na prática médica e nas ciências biológicas. Eles ajudam a guiar os cristãos em suas decisões, assegurando que estas estejam alinhadas com os valores e princípios bíblicos que afirmam a dignidade, a sacralidade da vida e a necessidade de amar e cuidar do próximo.

  • Respeito pela Autonomia: Reconhecimento da liberdade e dignidade do indivíduo.
  • Beneficência e Não-Maleficência: Fazer o bem e evitar o mal nos cuidados médicos.
  • Justiça: Distribuição justa dos recursos de saúde e tratamento equitativo.

Respeito pela Autonomia

O princípio do respeito pela autonomia reconhece a liberdade e a dignidade do indivíduo para tomar decisões sobre sua própria vida e corpo. Na bioética cristã, essa autonomia é vista à luz da criação de Deus, onde cada pessoa é considerada um ser racional e moral, dotado de capacidade de discernimento. O respeito pela autonomia implica que os pacientes têm o direito de ser plenamente informados sobre suas condições médicas e opções de tratamento, e de tomar decisões informadas baseadas em seus valores e crenças. No entanto, essa autonomia não é absoluta. No contexto cristão, as escolhas individuais devem ser feitas em harmonia com os princípios éticos e morais da fé cristã, que incluem a proteção da vida e o bem-estar do próximo. Portanto, decisões que envolvem a saúde e o corpo devem ser consideradas com responsabilidade e sensibilidade, equilibrando a liberdade individual com a responsabilidade comunitária e moral.

Beneficência e Não-Maleficência

Os princípios da beneficência e da não-maleficência são fundamentais na prática da bioética cristã. Beneficência refere-se à obrigação de promover o bem-estar e agir em benefício dos outros. Na medicina, isso significa que os profissionais de saúde devem tomar medidas que beneficiem os pacientes, aliviando o sofrimento, promovendo a saúde e prevenindo danos. Não-maleficência, por outro lado, é o dever de não causar dano intencionalmente. Este princípio é capturado pelo antigo preceito hipocrático de “primum non nocere” – primeiro, não causar dano. No contexto cristão, esses princípios são vistos como expressões do amor ao próximo e da compaixão, guiando os profissionais de saúde a agir com cuidado e empatia. A aplicação desses princípios pode ser complexa, especialmente em situações onde os tratamentos podem ter efeitos colaterais significativos, exigindo um balanço cuidadoso entre os benefícios e os potenciais danos.

Justiça

O princípio da justiça na bioética cristã está relacionado à equidade e à distribuição justa dos recursos de saúde. A justiça exige que todos os indivíduos tenham acesso igualitário aos cuidados de saúde, independentemente de sua condição socioeconômica, raça, gênero ou qualquer outra característica. Na tradição cristã, a justiça é frequentemente associada à retidão e à equidade, refletindo a natureza justa de Deus. Isso implica que os cristãos são chamados a promover a justiça social, garantindo que os recursos médicos sejam distribuídos de maneira justa e que todos recebam tratamento digno e respeitoso. Este princípio também se aplica à pesquisa biomédica, onde é crucial garantir que os benefícios e os riscos sejam equitativamente distribuídos entre todos os participantes. Além disso, a justiça na bioética cristã inclui a defesa dos mais vulneráveis e marginalizados, assegurando que eles também tenham acesso aos cuidados de saúde necessários.

Conclusão

Os princípios de respeito pela autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça formam a base da bioética cristã, guiando as decisões e ações em contextos médicos e biológicos. Cada um desses princípios é profundamente enraizado nos valores e ensinamentos cristãos, refletindo a dignidade e o valor da vida humana como criação divina. Ao aplicar esses princípios, os cristãos são chamados a agir com compaixão, equidade e responsabilidade, buscando sempre o bem-estar dos outros e honrando a sacralidade da vida. Esses princípios fornecem um guia moral robusto para enfrentar os complexos dilemas éticos da bioética moderna, assegurando que as ações sejam alinhadas com os ensinamentos de Cristo e com a justiça e amor que Ele exemplificou.

  • Aborto:
    • Posição Cristã: Valorização da vida desde a concepção, geralmente contrária ao aborto.
    • Exceções e Dilemas: Discussão sobre casos de risco para a mãe e situações de violação.
  • Eutanásia e Suicídio Assistido:
    • Posição Cristã: Valorização da vida até o seu fim natural, geralmente contrária à eutanásia.
    • Cuidados Paliativos: Ênfase em proporcionar conforto e dignidade no final da vida.
  • Tecnologias Reprodutivas:
    • Fertilização in Vitro (FIV): Questões sobre a criação e descarte de embriões.
    • Clonagem e Engenharia Genética: Implicações éticas e teológicas.

Aborto

O aborto é um dos temas mais controversos na bioética, especialmente dentro da perspectiva cristã. A maioria das tradições cristãs ensina que a vida humana começa na concepção, baseando-se em passagens bíblicas como Jeremias 1:5 (“Antes que te formasse no ventre te conheci, e antes que saísses da madre te santifiquei”). Por essa razão, o aborto é frequentemente visto como moralmente errado, pois implica a interrupção de uma vida que é considerada sagrada. No entanto, há debates sobre situações excepcionais, como quando a vida da mãe está em risco ou em casos de gravidez resultante de violência sexual. Mesmo nesses casos, muitos defendem que todas as opções devem ser exploradas para preservar ambas as vidas. A bioética cristã enfatiza o apoio à mãe e à criança, promovendo alternativas como a adoção e oferecendo suporte emocional e material para mulheres grávidas em situação de vulnerabilidade.

Eutanásia e Suicídio Assistido

A eutanásia e o suicídio assistido envolvem a prática de intencionalmente terminar a vida de uma pessoa para aliviar o sofrimento. A posição cristã tradicionalmente é contra essas práticas, com base no mandamento “Não matarás” (Êxodo 20:13) e na crença na santidade da vida. Os cristãos acreditam que a vida deve ser valorizada até seu fim natural e que o sofrimento pode ter um propósito redentor.

Em vez de optar pela eutanásia, a bioética cristã promove os cuidados paliativos, que focam em aliviar a dor e proporcionar conforto físico, emocional e espiritual aos pacientes terminais. Essa abordagem busca garantir que os pacientes possam viver seus últimos dias com dignidade e paz, recebendo o cuidado e a compaixão que refletem o amor de Cristo. Além disso, o apoio espiritual e pastoral é fundamental para ajudar os pacientes e suas famílias a encontrar esperança e consolo em tempos difíceis.

Tecnologias Reprodutivas

As tecnologias reprodutivas, como a fertilização in vitro (FIV) e a maternidade de substituição (barriga de aluguel), levantam complexas questões éticas. A bioética cristã valoriza profundamente a procriação e vê o ato de trazer uma nova vida ao mundo como algo sagrado.

No entanto, práticas como a FIV, que frequentemente envolvem a criação e o descarte de embriões, podem ser problemáticas. Muitos cristãos argumentam que cada embrião é uma vida humana em potencial e deve ser tratado com respeito e dignidade. A maternidade de substituição também levanta preocupações sobre a exploração e a objetificação das mulheres. A bioética cristã enfatiza a necessidade de abordar esses métodos com cautela e de buscar alternativas que respeitem a dignidade de todas as partes envolvidas. A adoção, por exemplo, é frequentemente promovida como uma opção ética e amorosa para casais que enfrentam infertilidade.

Clonagem e Engenharia Genética

A clonagem e a engenharia genética representam avanços significativos na ciência, mas também levantam sérias questões éticas. A clonagem humana é amplamente condenada na bioética cristã por razões que incluem a dignidade individual e a identidade única de cada ser humano. Clonar um ser humano é visto como uma violação da singularidade e da inviolabilidade da vida humana. A engenharia genética, especialmente a edição de genes em embriões (como através da tecnologia CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats — Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas), também é controversa. Embora possa oferecer potenciais benefícios, como a erradicação de doenças genéticas, ela levanta preocupações sobre “jogar Deus” e os possíveis impactos desconhecidos nas gerações futuras. A bioética cristã defende uma abordagem cautelosa, enfatizando a necessidade de uma ética robusta que respeite a dignidade humana e os limites da intervenção humana na criação divina.

Conclusão

Cada um desses temas bioéticos apresenta desafios únicos e complexos que exigem uma reflexão cuidadosa e fundamentada nos princípios cristãos. A dignidade humana, a santidade da vida e o amor ao próximo são os pilares que orientam a bioética cristã, oferecendo uma base moral para navegar esses dilemas. Ao abordar questões como aborto, eutanásia, tecnologias reprodutivas e manipulação genética, a bioética cristã busca proteger e valorizar a vida em todas as suas formas, promovendo soluções que reflitam a compaixão, a justiça e o respeito pelos mandamentos divinos.

  • Consentimento Informado: Garantir que os sujeitos de pesquisa estejam plenamente informados e consintam voluntariamente.
  • Experimentos em Humanos: Diretrizes para proteção e dignidade dos participantes.

Consentimento Informado

O consentimento informado é um princípio fundamental na ética da pesquisa biomédica, garantindo que os participantes compreendam completamente os riscos, benefícios e propósito do estudo antes de consentirem em participar. Na bioética cristã, esse princípio é essencial para respeitar a dignidade e a autonomia do indivíduo, conforme ensinamentos bíblicos sobre a importância da verdade e da honestidade (Efésios 4:25). O consentimento informado envolve fornecer informações claras e compreensíveis sobre o estudo, responder a todas as perguntas dos participantes e assegurar que a decisão de participar seja voluntária, sem coerção ou pressão. Este processo é uma expressão prática do amor ao próximo, pois respeita a liberdade e o valor inerente de cada pessoa. Além disso, a bioética cristã enfatiza a responsabilidade moral dos pesquisadores em proteger os participantes e agir com integridade, refletindo os princípios de justiça e beneficência.

Experimentos em Humanos

A realização de experimentos em humanos é uma área sensível da pesquisa biomédica, exigindo um equilíbrio cuidadoso entre a busca por avanços científicos e a proteção dos participantes. A bioética cristã insiste que a dignidade e os direitos dos participantes devem ser prioritários. Isto significa que os experimentos devem ser conduzidos de forma ética, com um rigoroso respeito às normas internacionais, como a Declaração de Helsinque, e os princípios de beneficência e não-maleficência. Os pesquisadores devem evitar causar danos e procurar sempre o bem-estar dos participantes. A justiça também deve ser considerada, garantindo que os benefícios da pesquisa sejam distribuídos equitativamente e que os grupos vulneráveis não sejam explorados. Na perspectiva cristã, o envolvimento em pesquisas deve ser guiado por um compromisso com a compaixão e a responsabilidade moral, assegurando que todas as práticas reflitam a integridade e o respeito pela vida humana.

  • Cuidado com a Criação: Responsabilidade de cuidar do meio ambiente como parte da mordomia cristã.
  • Sustentabilidade e Justiça Ambiental: Equidade no uso dos recursos naturais e cuidado com as gerações futuras.

Cuidado com a Criação

A bioética ambiental dentro do cristianismo enfatiza o cuidado e a responsabilidade para com a criação de Deus. Este princípio é derivado do mandato bíblico em Gênesis 2:15, onde Deus coloca o homem no Jardim do Éden para “cultivar e guardar”. O cuidado com a criação implica uma abordagem ética ao meio ambiente, reconhecendo que a terra e todos os seus recursos são dádivas divinas que devem ser preservadas e protegidas. Isso envolve práticas sustentáveis que não apenas preservam o ambiente para as gerações futuras, mas também refletem uma atitude de gratidão e reverência ao Criador. A bioética ambiental cristã promove ações que minimizem o impacto negativo no meio ambiente, incluindo a redução de poluentes, a conservação dos recursos naturais e o combate às mudanças climáticas, sempre considerando o bem-estar de todas as criaturas como parte da mordomia cristã.

Sustentabilidade e Justiça Ambiental

A justiça ambiental é um componente crucial da bioética cristã, focando na equidade na distribuição dos benefícios e encargos ambientais. A perspectiva cristã sobre justiça ambiental enfatiza que todas as pessoas, independentemente de sua posição socioeconômica, têm o direito a um ambiente saudável. Este princípio é especialmente relevante em contextos onde comunidades marginalizadas são desproporcionalmente afetadas pela poluição e degradação ambiental. Sustentabilidade, nesse contexto, significa adotar práticas que garantam a saúde do planeta a longo prazo, respeitando a integridade da criação de Deus. Na bioética cristã, a busca por sustentabilidade é uma expressão do mandamento de amar o próximo, pois assegura que as gerações futuras possam viver em um mundo que reflita a justiça e a beleza da criação divina.

  • Tomada de Decisões Éticas: Métodos para aplicar princípios éticos cristãos em decisões práticas.
  • Casos de Estudo: Análise de situações reais para ilustrar a aplicação dos princípios bioéticos cristãos.
  • Papel das Comunidades de Fé: Apoio e orientação para indivíduos e famílias enfrentando dilemas bioéticos.

Tomada de Decisões Éticas

A aplicação prática da bioética cristã envolve a tomada de decisões que estejam alinhadas com os princípios e ensinamentos cristãos. Isso exige uma abordagem reflexiva e informada, onde se considera a dignidade da pessoa, a santidade da vida e a justiça. Os cristãos são chamados a usar a sabedoria e o discernimento, muitas vezes através da oração e do conselho pastoral, para navegar dilemas éticos complexos. Em contextos clínicos e de pesquisa, isso significa que as decisões devem ser tomadas em um ambiente de transparência, respeito mútuo e compaixão, garantindo que as ações reflitam o amor e a justiça de Cristo. A análise cuidadosa de questões morais e dilemas emergentes nas áreas da medicina, biologia e pesquisa científica. Aqui estão algumas considerações sobre esse tema:

  1. Princípios Bioéticos: A bioética oferece um conjunto de princípios que podem guiar a tomada de decisão. Princípios como autonomia, beneficência, não maleficência e justiça são fundamentais para garantir que as decisões sejam tomadas levando em consideração o bem-estar do paciente, os valores humanos e a equidade.
  2. Conflitos Éticos: Os profissionais de saúde frequentemente enfrentam situações complexas que envolvem conflitos éticos. Esses dilemas podem surgir ao escolher entre diferentes opções de tratamento, considerando os riscos e benefícios para o paciente e a sociedade.
  3. Reflexão e Deliberação: A tomada de decisão ética requer reflexão cuidadosa, considerando não apenas aspectos técnicos, mas também valores pessoais, culturais e religiosos. É importante envolver os pacientes, suas famílias e outros profissionais de saúde nesse processo.

Em resumo, a tomada de decisões éticas na bioética busca equilibrar o avanço científico com a responsabilidade moral, promovendo o cuidado compassivo e a justiça em benefício de todos.

Casos de Estudo

A análise de casos de estudo é uma ferramenta valiosa para aplicar os princípios da bioética cristã em situações concretas.

Por exemplo, ao analisar um caso de eutanásia, a abordagem cristã examina não apenas os aspectos médicos, mas também o valor intrínseco da vida do paciente e as alternativas para aliviar o sofrimento através dos cuidados paliativos. Casos de estudo ajudam a ilustrar como os princípios teológicos e éticos podem ser integrados na prática, proporcionando exemplos práticos de como lidar com dilemas éticos complexos de maneira que honre a fé cristã e a dignidade humana.

Papel das Comunidades de Fé

As comunidades de fé desempenham um papel crucial na promoção e aplicação da bioética cristã. Elas oferecem apoio espiritual, emocional e material às pessoas que enfrentam dilemas bioéticos, ajudando-as a tomar decisões informadas e éticas. As igrejas e outras comunidades de fé também podem servir como plataformas para a educação e o diálogo sobre questões bioéticas, promovendo a conscientização e a ação coletiva em defesa da vida e da dignidade humana. Além disso, a comunidade de fé pode influenciar políticas públicas e práticas institucionais, defendendo leis e regulamentos que reflitam os princípios éticos cristãos.

papel das comunidades de fé na bioética é significativo e multifacetado. Vamos explorar como essas comunidades contribuem para as discussões éticas relacionadas à vida, saúde e tecnologia:

  1. Posicionamento Ético: As comunidades religiosas oferecem orientação moral baseada em suas crenças e escrituras. Elas influenciam a visão sobre questões como aborto, eutanásia, manipulação genética e reprodução assistida.
  2. Advocacia pela Vida: Muitas comunidades de fé defendem a sacralidade da vida humana desde a concepção até a morte natural. Elas promovem a proteção da dignidade e o cuidado compassivo em decisões médicas.
  3. Diálogo Interdisciplinar: As comunidades de fé participam de debates bioéticos, dialogando com cientistas, profissionais de saúde e legisladores. Elas buscam equilibrar avanços científicos com valores espirituais.
  4. Esperança e Consolo: A fé oferece esperança e consolo diante de dilemas bioéticos. Ela ajuda a enfrentar desafios, como doenças terminais, com compaixão e confiança.

No contexto, as comunidades de fé desempenham um papel vital na promoção de uma bioética ética, considerando tanto os aspectos científicos quanto os valores espiritual.

  • Integração da Fé e Ética: Como a fé cristã pode informar e guiar decisões éticas complexas na bioética.
  • Chamado à Ação: Incentivo aos cristãos para se engajarem em discussões bioéticas e promoverem uma cultura de vida e dignidade.

A aplicação prática da bioética cristã em contextos de pesquisa biomédica e ambiental exige um compromisso profundo com os princípios de respeito pela dignidade humana, justiça e cuidado com a criação. Ao navegar os desafios éticos da modernidade, os cristãos são chamados a agir com compaixão, sabedoria e integridade, sempre buscando refletir o amor e a justiça de Deus em suas ações. As comunidades de fé têm um papel vital em apoiar indivíduos e promover uma cultura de vida e dignidade, influenciando positivamente tanto as práticas pessoais quanto as políticas públicas.

A integração da fé cristã com a ética na bioética é um convite para uma abordagem compassiva e responsável diante dos desafios complexos que surgem na pesquisa biomédica, tratamento médico e tecnologias de saúde. Aqui estão alguns pontos-chave:

  1. Fundamentos Cristãos: A fé cristã oferece uma base sólida para a bioética. A crença na dignidade humana, a santidade da vida e os princípios bíblicos moldam nossa compreensão da ética.
  2. Tomada de Decisões Informada: A fé cristã pode informar nossas decisões éticas. Ela nos lembra que cada ser humano é criado à imagem de Deus e merece respeito e cuidado.
  3. Chamado à Ação: Como cristãos, somos chamados a nos envolver em discussões bioéticas. Devemos promover uma cultura de vida, dignidade e compaixão, defendendo os valores fundamentais da nossa fé.

Portanto, incentivamos todos os cristãos a se engajarem ativamente na bioética, buscando soluções que honrem a vida e reflitam o amor de Cristo em nosso mundo complexo e em constante mudança.

Reflexões 🙏

A distinção quanto ao consentimento do enfermo

(a) Eutanásia voluntária: em resposta à vontade expressa do doente o que seria um sinônimo do suicídio assistido;

(b) Eutanásia involuntária: quando o ato é realizado contra a vontade do enfermo, o que, em linhas gerais, pode ser igualado ao “homicídio”; todavia, a concepção de Kuhse 36 (p. 407) é algo distinta, caracterizando a eutanásia involuntária como aquela “que se pratica a uma pessoa que havia sido capaz de outorgar ou não o consentimento à sua própria morte, mas não o fez, seja por não ter sido solicitado, seja por ter rechaçado a solicitação, devido ao desejo de seguir vivendo“;

(c) Eutanásia não voluntária: quando a vida é abreviada sem que se conheça a vontade do paciente.

Do ponto de vista da bioética, podem ser construídos argumentos distintos para as diferentes categorias de eutanásia relativas ao ato em si, havendo aqueles que condenam peremptoriamente a eutanásia ativa, mas “aceitam” a eutanásia passiva por exemplo, julgando legítimo que um enfermo que se negue a passar por medidas terapêuticas extraordinárias, ou seja, recuse a distanásia ou que, em decorrência de uma determinada modalidade terapêutica, acabe por sobrevir o óbito no caso, eutanásia de duplo efeito. Todavia, no que se refere ao consentimento do enfermo, há justificativa moral para a eutanásia voluntária e, eventualmente, para a não voluntária, mas não para a involuntária de fato um ato criminoso, na medida em que representa um desrespeito à vontade do paciente!

Para tornar mais diáfano o campo conceitual da bioética do fim da vida, são ainda pertinentes alguns comentários acerca da terminologia, no que se refere à conceituação do suicídio assistido, da distanásia e das assim chamadas ortotanásia e mistanásia.

suicídio assistido ocorre quando uma pessoa solicita o auxílio de outra para alcançar o óbito, caso não seja capaz de tornar fato sua disposição de morrer. Neste caso, o enfermo está, em princípio, sempre consciente manifestando sua opção pela morte, enquanto na eutanásia nem sempre o doente encontra-se cônscio por exemplo, na situação em que um paciente terminal e em coma está sendo mantido vivo por um ventilador mecânico, o qual é desligado, ocasionando a morte. Os casos mais conhecidos foram praticados pelo médico patologista estadunidense Jack Kevorkian, coadjuvante de vários suicídios assistidos, que levaram à sua condenação e prisão em seu país.

Contraposta à eutanásia e ao suicídio assistido tem-se a distanásia também identificada pars pro toto com a denominada obstinação terapêutica  a qual tem como interfaces tanto a aplicação de novas tecnologias à medicina capazes de manter as funções biológicas, com amplas possibilidades para salvar grande número de vidas quanto o arcaico desejo humano de superar a morte. Etimologicamente o termo distanásia contém a idéia de “dupla morte (diV = dificuldade, privação // disqanhV = adjetivo: que morre duas vezes; no latim, dis dá idéia de separação e negação)“, tendo sido inicialmente proposto por Morache, em 1904. Atualmente é compreendida como manutenção da vida por meio de tratamentos desproporcionais, levando a um processo de morrer prolongado e com sofrimento físico ou psicológico, isto é, de um aprofundamento das características que tornam, de fato, a morte uma espécie de hipermorte.

Outro vocábulo que vem sendo utilizado por alguns autores é a ortotanásia, que pode ser demarcada como a morte no seu tempo certo, sem os tratamentos desproporcionais (distanásia) e sem abreviação do processo de morrer (eutanásia). A pergunta que fica, em relação ao termo ortotanásia, se dirige ao significado deste tempo certo para morrer. Com efeito, quem poderia determiná-lo (a não ser talvez o próprio titular da vida em questão) considerando um contexto no qual há possibilidade quase inesgotável de se prolongar a vida? Em outros termos, haveria um verdadeiro limite entre a eutanásia passiva não intervir e deixar de fato morrer e a dita ortotanásia deixar morrer no momento aparentemente certo? A distinção se mostra conceitualmente precária, por vezes impossível de ser estabelecida afinal, não entubar um paciente com uma neoplasia em fase terminal, ou seja, negar-lhe a possibilidade de se manter vivo, seria deixar a morte chegar no tempo certo ou praticar de fato a eutanásia passiva? Ou, ainda mais, os dois termos seriam ao mesmo tempo semântica e pragmaticamente sinônimos, isto é, equivalentes do ponto do sentido e daquele das práticas surtindo o mesmo tipo de efeito? Por conta destas inconsistências, torna-se pouco útil empregar a expressão ortotanásia no debate bioético sobre a finitude, na medida em que traz mais problemas do que soluções.

A palavra mistanásia, por sua vez, vem sendo proposta com o sentido de “morte miserável e dolorosa fora e antes do seu tempo” 43 (p. 188), incluindo: (1) a falta de acesso às condições mínimas de vida; (2) a omissão de socorro à multidão de doentes à margem dos sistemas de saúde mundo afora; (3) as conseqüências dos diferentes tipos de erros médicos; e (4) as práticas de eliminação dos indesejados, como o ocorrido no período do Terceiro Reich 43. O grande leque de circunstâncias alcunhadas como mistanásia, a eventual sobreposição com a idéia de distanásia e as dificuldades inerentes à determinação de um passamento ocorrido fora do seu momento correto — afinal, sempre é tempo para morrer… — tornam mistanásia um conceito deveras problemático nas discussões ora entabuladas.

Feitas estas considerações acerca do problema semântico e de suas implicações pragmáticas, impõe-se a discussão do problema moral pertinente, ou seja, dos argumentos pró e contra a eutanásia, questão bioética que se pode chamar de controvérsia sobre a moralidade da eutanásia, como será apresentada a seguir.

Argumentos contra

eutanásia é uma temática sujeita a vários questionamentos, alguns de indubitável legitimidade. Os mais importantes argumentos contrários à sua realização centram-se no princípio da sacralidade da vida e no argumento da “ladeira escorregadia” ou slippery slope.

• Princípio da sacralidade da vida

Segundo esta premissa absoluta, a vida consiste em um bem — concessão da divindade ou manifestação de um finalismo intrínseco da natureza —, possuindo assim um estatuto sagrado — isto é, incomensurável do ponto de vista de todos os “cálculos” que possam, eventualmente, ser feitos sobre ela —, não podendo ser interrompida, nem mesmo por expressa vontade de seu detentor. Uma outra leitura possível da sacralidade ganha força na afirmação de que a vida é sempre digna de ser vivida, ou seja, estar vivo é sempre um bem, independente das condições em que a existência se apresente. Apesar de ser considerada uma das mais contundentes objeções à eutanásia — mormente nas éticas cristãs e na tradição hipocrática 45 —, uma questão se impõe de pronto: se a vida é realmente um bem, quem seria o mais competente para julgar esta “beatitude”? Não recairia tal prerrogativa sobre o próprio titular da existência? Afirmar de maneira genérica e peremptória que a vida é algo bom em si mesmo — para além do truísmo de considerá-la como condição necessária para se poder falar em suas eventuais qualidades ou não — com base na ótica de algumas pessoas não implicadas nas vidas particulares em exame, é extremamente perigoso, em concordância com muitas das reflexões críticas, consubstanciadas ao longo do século XX e dirigidas à obsessão pelas generalidades, pois, afinal, a detecção de semelhanças não pressupõe a existência de gerais 46. Ademais, a própria assertiva acerca da vida como um bem em si mesmo pode ser questionada, como vem sendo feito na história do pensamento, desde os seus primórdios — veja-se os órficos, Empédocles de Agrigento, Søren Kierkgaard e Emil Cioran, dentre outros 47,48,49,50.

• Argumento de slippery slope

Traduzível em português como ladeira escorregadia, pretende justificar que não devem ser feitas “concessões” aparentemente inócuas em temas controversos, sob pena de se abrir o precedente para atitudes de inequívoco malefício 51. Oposições alicerçadas no argumento “escorregadio” incluiriam: (1) a potencial desconfiança — e subseqüente desgaste — na relação médico-paciente; (2) a possibilidade de atos não inspirados em fins altruístas, mas motivados por outras razões (por exemplo, questões de heranças, pensões, seguros de vida e outras); (3) a ocorrência de pressão psíquica — por exemplo, o pensamento, pelo enfermo, de que sua condição é um verdadeiro “estorvo” para os familiares —, que poderia deixar os pacientes, cuja morte se aproxima, sem perspectiva outra que não a “eutanásia”, de fato não desejada e, portanto, de alguma forma imposta por razões circunstanciais; e (4) a erosão definitiva do respeito à vida humana, tomando-se como base o recorrente exemplo do nazismo 33,52. Entretanto, nem sempre tal preocupação poderá ser fundamentada, uma vez que o mau uso (ou o abuso) de algo não contra-indica, em termos absolutos, o seu uso (abusus non tollit usus): “se em alguns casos, especialíssimos, pode ser justificado e até mesmo necessário desrespeitar um sinal vermelho, essa não é uma boa razão para eliminar o sistema de circulação de veículos baseado em sinais luminosos, nem para atenuar o rigor das regras de trânsito, prevendo possíveis exceções, que ficariam sujeitas inevitavelmente a abusos perigosos” 52 (p. 396).

De outro modo, análises minuciosas do argumento da ladeira escorregadia acabaram por demonstrar que, em última análise, o impedimento refere-se muito mais à inexorabilidade do fenecer do que, propriamente, ao fato de “deslizar” em direção a um mau uso da prática 52.

Argumentos pró

Dois são os principais pontos de apoio dos defensores da eutanásia: os princípios da qualidade de vida e da autonomia pessoal.

Princípio da qualidade de vida

É um princípio geral, ou metaprincípio, com validade prima facie — ou seja, um princípio que subsume lógica e semanticamente outros princípios, mas que só é aplicável sob determinadas circunstâncias, sendo destituído, portanto, de um valor universal e inatacável — que afirma também a existência de um valor para a vida, mas aplicável, tão somente, se esta é provida de um certo número e grau de qualidades histórica e socioculturalmente construídas e aceitas pelo titular de uma vida particular 45. Assim, a existência teria realmente um valor condicionado às percepções e concepções das sociedades secularizadas, laicas e plurais, em um tempo próprio. A contraposição ao princípio da qualidade de vida tem a ver com a possibilidade de atos absurdos, geradores de sofrimentos insuportáveis, tão somente para sustentar uma (sobre)vida que pode ser mais um castigo do que uma dádiva 32.

Sacralidade e qualidade de vida têm sido tratadas como princípios antagônicos e inconciliáveis. A despeito desta aporia, pode-se tentar uma composição entre ambos — não simplesmente dialética (no sentido hegeliano), mas sim no âmbito mais amplo do método da complexidade — segundo a qual estabelecer-se-ia uma nova relação princípio da sacralidade da vida e/ou princípio da qualidade de vida — ao invés de princípio da sacralidade da vida versus princípio da qualidade de vida —, integrando tanto as conexões de simpatia quanto aquelas de antipatia entre eles, em uma unidade discursiva de segunda ordem 5,45. Resultaria, assim, uma unidade que incorpora as tensões e ambigüidades em termos de relação de relações (e não mais unicamente de objetos).

Uma das questões mais íntimas em relação à qualidade de vida é determinar-se qual o real significado de uma vida que vale a pena ser vivida e para quem deve ser dada a prerrogativa em decidir sobre tal significação. Na esteira da herança kantiana — segundo a qual um ato genuinamente moral deve ser concebido no pleno exercício da liberdade do sujeito ético 53 — cabe sempre admitir que o principal interessado em viver deve ter a preeminência, ou prioridade léxica, em decidir sobre sua vida e sua morte. Tal colocação remete, quase instantaneamente, à questão da autonomia pessoal, considerado o mais importante princípio para legitimar a eutanásia 38,54, pelo menos se pensada no contexto das sociedades complexas liberais e democráticas contemporâneas, nas quais existem, como esteio, âmbitos de pertinência distintos relativos a ordens legítimas, também distintas — como aquelas do individual e do coletivo — e que não podem ser esquecidas, sob o risco de sobrevir a dissolução de um convívio razoável entre indivíduos neste tipo de sociedades.

Autonomia

O termo, de origem grega — autonoµia, de autoV = próprio, e noµoV = leis — remete à idéia de autogoverno, tendo sido empregado, historicamente, no seio da democracia grega para indicar as formas de governo autárquicas — isto é, a poliV (pólis55 —, de fato a primeira forma consensualmente conhecida de democracia no Ocidente, ainda que incompleta por não contemplar escravos e mulheres. A partir da Modernidade, isto é, do movimento cultural e social iniciado pela Renascença, e que trouxe a idéia de indivíduo ao cenário da reflexão filosófica e política, o conceito de autonomia passa a se aplicar ao indivíduo — um necessário “produto” da modernidade burguesa e protestante na ponderação de Weber 56 —, alcançando uma formulação moral sistemática com a Fundamentação da Metafísica dos Costumes de Kant 53,55.

Pode-se definir como autônomo o indivíduo que “(…) age livremente de acordo com um plano escolhido por ele mesmo, da mesma forma que um governo independente administra seu território e define suas políticas” 19 (p. 138).

Com base neste pressuposto, os autores que “defendem” a eutanásia apontam para a necessidade de que seja respeitada a liberdade de escolha do homem que padece, isto é, sua competência em decidir, autonomamente, aquilo que considera importante para viver sua vida, incluindo nesta vivência o processo de morrer, de acordo com seus valores e interesses legítimos. Deste modo, com raízes fincadas no espírito helênico e florescimento manifesto na Aufklärung (Iluminismo, literalmente “esclarecimento”), a autonomia pressupõe que cada indivíduo tem o direito de dispor de sua vida da maneira que melhor lhe aprouver, optando pela morte no exaurir de suas forças, ou seja, quando sua própria existência se tornar subjetivamente insuportável 38.

Deslocar-se-ia, assim, o debate bioético da finitude para a pergunta — genuinamente filosófica — sobre o alcance da autonomia do próprio interessado, encarnada na decisão de não permanecer em um martírio que não o conduzirá a lugar algum 57 ou, então, de continuar padecendo, não por uma decisão tomada por outrem, mas sim, por uma opção pessoal, que pode até ser a de se submeter, por boas razões, à imposição de um outro, mas que neste caso, se torna o Outro.

A despeito de sua eficácia teórica na argumentação bioética sobre o fim da vida — na medida em que contempla vários dos aspectos fundamentais em relação à eticidade, ou não, da eutanásia —, a idéia de autonomia apresenta uma série de problemas, os quais inviabilizariam seu uso de forma irrestrita, podendo-se mencionar: (1) a possibilidade, sempre real, de que haja dificuldade para a compreensão plena de aspectos da realidade, o que representa um genuíno “empecilho” para o exercício da autonomia, sobretudo se é colocado em foco um país — como o Brasil — no qual a maior parte da população não tem acesso à educação necessária ao exercício da cidadania e do livre direito de optar pelas melhores alternativas para a sua própria existência; (2) a impossibilidade lógica de se constituir um nomos particular, a partir de um indivíduo supostamente capaz de legiferar em nome de seus interesses, sem a necessária dialética estabelecida com um outro de si, uma vez que a tomada de decisões só é levada a cabo no âmbito de coordenadas socialmente determinadas por esta dialética; (3) a probabilidade, à luz da bioética principialista — calcada nos princípios de autonomiajustiçabeneficência e não-maleficência, ou outros — de que sempre é factível a existência de conflitos entre os princípios em pauta; (4) a existência de uma assimetria contingente nas relações entre profissionais de saúde e pacientes, devido às inegáveis competências diferentes entre quem pede ajuda e quem, supostamente, pode atender tal pedido e que pode, em inúmeras oportunidades, tornar inviável a aplicação do princípio, pela influência incontornável exercida por aquele que cuida 9,55,57.

Consideradas tais dificuldades, a grande indagação seria então: “como propiciar um contexto favorável à liberdade do homem no sentido de seu empoderamento de fato?“. Com efeito, tal questionamento se delineia como um dos grandes desafios a serem enfrentados, no futuro, pelo Übermensch — o sobre-homem nietzschiano — o qual, de acordo com uma interpretação “pós-moderna” de Vattimo, deve ser entendido, sobretudo, como aquele que tenta ir para além de seus limites pessoais, e não como alguém capaz de exercer o poder sobre os demais 58.Há novos horizontes para o debate? — à guisa de (in)conclusão

A discussão, do modo como foi encaminhada até o presente momento, almejou a ordenação dos principais matizes que se combinam no debate moral sobre a eutanásia, podendo-se tomar, como analogia, o movimento do caoV (caos, no sentido da “desordem” primordial) para o kosµoV (cosmo, no sentido de ordem), cantado por Hesíodo na Teogonia 59.

Como se tornou paulatinamente perceptível, os princípios da autonomia e da sacralidade da vida são os grandes pilares daqueles que se põem a favor e contra a eutanásia, respectivamente. Sem embargo, todas as colocações são passíveis de contestação, instaurando, assim, a necessidade de compor diferentes ordens de discurso — engendradas nas díspares tradições de pensamento — em um sistema complexo que permita a tomada de decisões, por vezes urgentes, em se tratando de pessoas acossadas pelos mais vis padecimentos.

Baseado nestas considerações, uma das interseções que se anuncia como promissora na elaboração dos aspectos conflituosos da eutanásia é, justamente, a de tomar entre os referenciais a atitude daqueles que se dispõem a executar o ato, abrindo-se a perspectiva para se colocar o problema da compaixão.

As grandes tradições morais que se fundam na compaixão são a cristã e a budista — ainda que possam ser encontrados elementos compassivos no hinduísmo, no islamismo e no judaísmo 60. Entretanto, se no cristianismo o sentido é de tomar para si, compartilhar, o sofrimento do outro 61 — do latim compati = sofrer com, lembrando-se que, em grego, paqoV (páthos) significa capacidade de sentir, sentimento profundo, afeto arrebatador —, na ética budista, apropriada pela filosofia ocidental no pensamento de Schopenhauer — na verdade, sua principal “influência oriental” foi recebida dos Upanixades hindus 62,63 —, a dimensão evocada por Karuna (compaixão, em sânscrito) é muito mais de acolhimento da angústia alheia: “compaixão significa oferecer morada às pessoas, abrir as portas até então fechadas para elas, perguntar mais que responder. Significa tornar-se altamente sensível à situação e aos sentimentos da outra pessoa. Significa ouvir com todo o seu ser e dar, se for possível, o que seja relevante e apropriado para o relacionamento, não o avaliando com julgamentos próprios” 64 (p. 51).

Tal acolhida pressupõe o não-julgamento do outro, mas sim, e tão somente, sua aceitação, o amparo de sua condição de vivente 60. Se, conforme o discutido, o conceito de eutanásia pressupõe, de modo inequívoco, a existência de um lídimo estofo misericordioso, cabe ao profissional que cuida do enfermo, inserido no processo de morrer, o respeito a este seu momento elegíaco, recebendo-o e dispondo-se a atender seu desejo de morrer, sem julgá-lo, nem tomar arbitrariamente decisões tão importantes em seu lugar. Ademais, a compaixão, enquanto acolhimento — recepção daquele que sofre em seu próprio âmago —, permite uma fecunda articulação entre os princípios e argumentos morais acerca do fim da vida, compondo: (1) sacralidade da vida, (2) qualidade de vida e (3) autonomia, além de superar o (4) argumento do slippery slope.

De fato, a vida de um homem submetido a excruciante padecimento não deixa de ser sagrada — pondo-se de lado os dogmatismos cegos e os fundamentalismos — pela decisão autônoma, por parte daquele que sofre, de se pôr um fim ao seu curso. Neste caso, a própria condição de se admitir, em meio a um padecimento incurável e intratável, que já não vale a pena prosseguir, demonstra, em certo sentido, que o doente atribui alto valor à sua própria vida, não desejando profaná-la ao permitir que ela se esvaia em dias e noites de martírios sem fim. Morrer, neste caso, pode significar também uma clara demonstração de apreço pela própria existência, situando-a em uma dimensão beatífica. E, ainda, se este mesmo homem é amparado — e, por que não, protegido — no sentido de se facultar sua inquebrantável disposição para o ocaso, não se corre o risco de estender, escorregar, indevidamente para situações obscuras e danosas em relação à prática da eutanásia, uma vez que a palavra daquele que sofre, o titular da vida, será sempre a última fronteira.

É bem verdade que esta é apenas uma breve digressão sobre um elemento de irrefutável alcance no debate ético e bioético sobre o fim da vida, a compaixão, que vem sendo pouco prestigiada nas reflexões contemporâneas. Integrá-la aos demais fios que compõem o grande tecido da eutanásia é uma forma de olhar e acolher o homem que morre, um genuíno ato de fraternidade, permitindo-lhe, quiçá, a restituição da prerrogativa de sonhar com seus melhores dias de outrora, com o esfumar do martírio, com o descerrar das cortinas da existência, tão belamente escrito por Shakespeare 65 (p. 97): “morrer é dormir. Nada mais. E por um sonho, diremos, as aflições se acabarão e as dores sem número, patrimônio da nossa débil natureza. Isto é o fim que deveríamos solicitar com ânsia. Morrer é dormir… e talvez sonhar“.

Referências Bíblicas 🙏 e Textos de Apoio

  • Passagens Chave: Gênesis 1:27, Salmo 139:13-16, Mateus 22:37-40, João 10:10.
  • Literatura Recomendada: Livros e artigos de teólogos e bioeticistas cristãos.


por Teo.Prof Sergio Valentin Grizante